Nós, bispos, padres, religiosas, religiosos, leigas, leigos, lideranças eclesiais comunitárias, mulheres, jovens, crianças, lideranças indígenas, pescadores, lavradores, participantes do encontro das comunidades atingidas por mineração em diálogo com a Igreja no norte e nordeste do Brasil, realizado no bairro de Piquiá, município de Açailândia (MA), saudamos a todo o povo do País. Queremos partilhar a riqueza de nosso debate, na escuta dos clamores da terra e das águas e das populações atingidas pela mineração, à luz do paradigma da ecologia integral e do Bem Viver para todos os povos”.

O encontro aconteceu de 9 a 11 de novembro. Nele, os participantes construíram uma Carta de Compromisso, na cual manifestaram, alem da sua solidariedade com as comunidades:  “a capacidade impressionante de resistência do nosso povo, através da sua mística, espiritualidade, sabedoria, organização, com criatividade, reconhecendo e fortalecendo suas identidades; somos um povo rico de vida, de natureza, de cultura e de inteligência. A resistência e organização da comunidade de Piquiá de Baixo, nossas experiências de autogestão dos territórios, de economia solidária, de articulação em teias e diversas redes de povos e populações, bem como a força e a garra das mulheres são sinais concretos da expressão do Reino de Deus acontecendo entre nós, pelos caminhos de uma ecologia integral e integradora”.

«Conclamamos a todas e a todos que continuem firmes, com “um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que conforma a resistência ao avanço do paradigma tecnocrático” (CELAM – 01/2018). A Igreja continua sendo chamada à missão de proteger a terra, às águas, o clima e todos os direitos que garantem a dignidade de filhas e filhos de Deus. “Nada na Igreja pode ser indiferente diante do grito dos pobres e do grito da nossa irmã e mãe terra” (CELAM).»

Compartilhamos o texto completo da carta compromisso deste profético encontro:

ENCONTRO DAS COMUNIDADES ATINGIDAS POR MINERAÇÃO

EM DIÁLOGO COM A IGREJA NO NORTE E NORDESTE

CARTA COMPROMISSO

“Tudo está interligado e isso nos convida a amadurecer uma espiritualidade e uma solidariedade global que brota do mistério da Trindade” (Laudato Si’, 240)

Nós, bispos, padres, religiosas, religiosos, leigas, leigos, lideranças eclesiais comunitárias, mulheres, jovens, crianças, lideranças indígenas, pescadores, lavradores, participantes do encontro das comunidades atingidas por mineração em diálogo com a Igreja no norte e nordeste do Brasil, realizado no bairro de Piquiá, município de Açailândia (MA), saudamos a todo o povo do País. Queremos partilhar a riqueza de nosso debate, na escuta dos clamores da terra e das águas e das populações atingidas pela mineração, à luz do paradigma da ecologia integral e do Bem Viver para todos os povos.

Preocupa-nos a conjuntura política de nosso País, com perspectiva de agravamento das violações de direitos e desmonte de algumas instituições e leis que os garantem, aumentando as desigualdades provocadas pelos modos de produção capitalista e extrativista. Estes modelos ditos de desenvolvimento “não estão necessariamente orientados para o bem comum e para o desenvolvimento humano sustentável e integral” (LS,18); estimulam desejos de consumo, privatizam e concentram os lucros, expulsam e inviabilizam a permanência das comunidades tradicionais, rurais e urbanas, negando sua existência e sentimentos.

Denunciamos o loteamento do estado para a implantação de grandes empreendimentos que beneficiam poucos setores e violam os direitos da maior parte da população:

  • as operações de grandes empresas de mineração na região, em particular o Projeto Ferro Carajás S11D da empresa Vale, as instalações siderúrgicas e suas violações dos direitos das comunidades e da natureza;
  • a instalação das empresas extrativas sem suficientes consultas públicas populares, sem transparência na informação, nem pesquisas adequadas sobre os impactos socioambientais.
  • a intensificação da invasão das terras indígenas e terras quilombolas, para exploração ilegal de minério e extração de madeira e de outras riquezas, deixando rastros de destruição e violência e negando seus direitos à terra;
  • os impactos provocados pelas infraestruturas a serviço da exportação de matérias primas e commodities, como a estrada de ferro transnordestina e a expansão da ferrovia norte-sul;
  • a ameaça de instalação de novas perigosas técnicas de extração de gás não convencional, chamadas fracking, com o uso de mais de 700 substâncias químicas, algumas delas cancerígenas, que se espalham nos lençóis freáticos e na atmosfera, podendo causar chuvas ácidas e poluição, além de micro-terremotos pelo faturamento do subsolo;
  • o avanço do agronegócio e da pecuária em grande escala, com a monocultura de eucalipto, soja e cana de açúcar: a implantação da fábrica de celulose da empresa Suzano, na região Tocantina, aumentou os níveis de poluição e o assoreamento dos rios; a expansão da soja e a exploração intensiva do solo e das águas estão enfraquecendo nossos biomas, ameaçando a sobrevivência de diversas espécies da fauna e da flora, expulsando as populações locais e tradicionais, precarizando o trabalho e consolidando novamente o trabalho escravo, contaminando amplos territórios com agrotóxicos, ameaçando a agricultura familiar, aumentando a concentração da terra, fomentando os conflitos agrários e o assassinato de lideranças camponesas, indígenas e quilombolas, bem como a expulsão de comunidades inteiras;
  • a mão violenta do estado, que sob o manto da legalidade legitima situações injustas e imorais, como a concessão de licenças ambientais para atividades  extremamente impactantes, ou a autorização para operações industriais poluidoras, inviabilizando a reprodução do modo de vida de várias comunidades e populações, frequentemente obrigadas a deixar seus territórios e deslocar-se para as periferias das grandes cidades, onde aumentam o desemprego, o tráfico de drogas e a violência. É o caso do projeto MATOPIBA e da demora na criação da Resex Tauá-Mirim;

Anunciamos a capacidade impressionante de resistência do nosso povo, através da sua mística, espiritualidade, sabedoria, organização, com criatividade, reconhecendo e fortalecendo suas identidades; somos um povo rico de vida, de natureza, de cultura e de inteligência. A resistência e organização da comunidade de Piquiá de Baixo, nossas experiências de autogestão dos territórios, de economia solidária, de articulação em teias e diversas redes de povos e populações, bem como a força e a garra das mulheres são sinais concretos da expressão do Reino de Deus acontecendo entre nós, pelos caminhos de uma ecologia integral e integradora.

Comprometemo-nos a:

  • Manter viva a profecia em unidade com povos e comunidades atingidos, assumindo ao lado deles uma postura solidária de cristãos e de Igreja samaritana;
  • Dialogar de forma crítica com o estado e as empresas, querendo sermos consultados como Igreja no debate sobre projetos e futuro de nossos territórios, sem nos deixar comprar por benefícios ou promessas;
  • Participar das audiências públicas para o licenciamento de obras e empreendimentos, exigindo transparência, efetiva consulta popular e consentimento prévio, livre e informado; exigir, da mesma forma, o cumprimento das condicionantes e a fiscalização permanente e rigorosa do estado;
  • Participar ativamente dos Conselhos de Políticas Públicas, representando as instâncias da sociedade civil organizada, na construção de propostas políticas que garantam interesses e direitos dos grupos menos favorecidos;
  • Repudiar de todas as maneiras possíveis a instalação do Fracking em nossos territórios, favorecendo a informação e formação sobre os perigos destes projetos e promovendo a criação de leis municipais contra esta tecnologia;
  • Apoiar os povos indígenas em suas iniciativas de autodefesa de territórios, na promoção de suas culturas e no diálogo inter-religioso, em espirito de solidariedade para com suas reivindicações por terra e direitos;
  • Criar comunidades ecológicas e grupos de resistência que se mantenham informados e vigilantes sobre as ameaças à Mãe Terra, valorizando nossas raízes e a cultura que nos vincula aos territórios;
  • Contribuir com a formação popular, especialmente na área do direito e do meio ambiente, valorizando o aporte científico de quem possa ajudar na avaliação permanente das ameaças e oportunidades dos projetos que pretendem se instalar em nossas regiões, bem como dos modos de vida e produção que fazem parte de nossa cultura ou que representam alternativas inovadoras e sustentáveis;
  • Fortalecer as pastorais sociais em nossas dioceses e paróquias, assim como a aliança entre a Igreja e os movimentos sociais em defesa dos direitos socioambientais

Conclamamos a todas e a todos que continuem firmes, com “um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que conforma a resistência ao avanço do paradigma tecnocrático” (CELAM – 01/2018). A Igreja continua sendo chamada à missão de proteger a terra, às águas, o clima e todos os direitos que garantem a dignidade de filhas e filhos de Deus. “Nada na Igreja pode ser indiferente diante do grito dos pobres e do grito da nossa irmã e mãe terra” (CELAM).

Escolhemos a vida, o Evangelho, os princípios e valores da solidariedade, da reciprocidade, da acolhida, do respeito, da pluralidade, da construção coletiva e da igualdade nas nossas práticas cotidianas.

Não deixem morrer a profecia!” (dom Helder Câmara)

Piquiá, Açailândia, 11 de novembro de 2018