Pe. Joseph Mumbere é missionário comboniano, originário da República Democrática do Congo (RDC). Hoje vive e atua na paróquia de Santa Luzia – Piquiá, no município de Açailândia (Maranhão), na Amazônia oriental brasileira. Neste território, Pe. Joseph acompanha a rede Justiça nos Trilhos, a serviço das comunidades atingidas pela mineração do Programa Grande Carajás.
A Rede Igrejas e Mineração o entrevistou, por ocasião da visita de Papa Francisco à sua terra natal.
Papa Francisco acaba de terminar sua visita à RDC e segue viagem para o Sudão do Sul. Brevemente, qual é sua avaliação da primeira etapa desta visita, em sua terra? O que mais lhe chamou a atenção?
Estou cheio de alegria pela visita de Papa Francisco à minha terra! É uma bênção para nosso país, que há mais de 25 anos passa por momentos difíceis, de guerra e saque. A visita do Papa é como fazer causa comum com este povo.
Finalmente, graças à presença do Papa em Kinshasa, o mundo inteiro olhou para o Congo e pôde compreender a gravidade da situação neste país. Trata-se de um genocídio, pela ganância do modelo econômico capitalista, que mata a vida e a natureza.
No Congo, criou-se uma máfia em busca dos minérios raros, como o cobalto e o coltan, utilizados para as modernas técnicas eletrônicas. Há muitos interesses ao redor disso, inclusive um forte tráfico de armas.
O Papa permitiu que o mundo ouvisse a voz das vítimas, em seus testemunhos diretos e trágicos; pessoas que nunca se resignaram a seu destino, mas com resiliência continuam defendendo seus territórios.
Francisco chamou a atenção dos potentes deste mundo: “Tirem as mãos do Congo, parem de sufocar a África, não é uma mina a ser explorada, nem uma terra a ser saqueada!”
Papa Francisco, em particular, buscou diálogo com as juventudes e com os bispos. Aos jovens, indicou que a paz está nas mãos deles. Disse assim: “Deus colocou nas vossas mãos o dom da vida, o futuro da sociedade e deste grande país. Tu és uma riqueza única, irrepetível e incomparável. Ninguém, na história, te pode substituir. Pergunta-te então: Para que servem estas minhas mãos? Para construir ou destruir, dar ou reter, amar ou odiar? Vê! Podes apertar a mão e fechá-la, torna-se um punho; ou podes abri-la e colocá-la à disposição de Deus e dos outros”.
Aos bispos, indicou dois grandes desafios: a oração, para sintonizar-se com Deus, e a profecia, para sintonizar-se com os empobrecidos.
Pe. Joseph, qual o papel da Igreja na RDC, como ator que pode promover a paz?
A população da RDC é composta principalmente pela juventude (a idade média do país está ao redor dos 25 anos), com forte participação na Igreja. Ela tem um papel importante no social, porque por muitos anos o estado se ausentou; foi a Igreja que assumiu quase o 70% das estruturas sociais do país (escolas, hospitais, centros de cuidado das crianças ou idosos).
Também, a Igreja joga um papel importante na política. Por exemplo, nas ultimas eleições de 2018, foi graças à mobilização da Igreja que o ex-presidente Kabila não pôde mudar a Constituição e se candidatar pela terceira vez.
O Papa apontou sérios desafios aos bispos. Recomendou para eles a oração, para sintonizar-se com Deus; a Igreja não é simplesmente um agente social, mas sobretudo um canal de encontro com Deus, para a construção de seu Reino, testemunhando seu amor. A reconciliação, o diálogo com outras crenças, o testemunho concreto são missão essencial da Igreja.
Por outro lado, o Papa desafiou a Igreja a sintonizar-se com os empobrecidos. A Igreja no Congo tem uma estrutura clerical muito forte. Precisa libertar-se deste forte clericalismo: quem manda, em suas estruturas, é o clero (bispos e padres), às vezes distantes dos pobres; os leigos somente obedecem. A principal profecia da Igreja no Congo pode ser a superação deste clericalismo.
Vamos focar num dos motivos principais dos conflitos na RDC (e em muitos outros países da África): o extrativismo predatório, o saque da mineração. Papa Francisco disse às multinacionais e aos países que alimentam uma política neocolonial: “tirem as mãos da África!”. O que está acontecendo em sua terra, pe. Joseph?
O apelo do Papa aos potentes do mundo foi muito explícito: tirem as mãos e os olhos da África. Desde o tempo da colonização, as terras congolesas foram sempre consideradas algo a ser explorado e saqueado. Isso moldou a relação dos países mais poderosos com o nosso.
A RDC recebeu uma aparente independência, mas o neocolonialismo continua: as pessoas e a natureza não contam. O que conta é a mineração e os chamados ‘recursos naturais’.
Por isso, o Papa destaca a importância de escutar o grito dos pobres e da Terra. Francisco quis escutar o grito das vítimas, que contaram para ele as atrocidades que vivenciaram: mãos de crianças cortadas na frente de seus pais, mulheres estupradas, membros de suas famílias assassinatos. Isso é o que está acontecendo em meu país! Escuta-se o grito da Terra violentamente escavada em busca de minérios, pela poluição das águas e do ar… O que acontece no Congo é muito triste. O Papa veio para escutar o grito do povo e da terra congolês; tomara que o mundo inteiro possa ouvir este grito!
Agora você vive e trabalha como missionário numa outra região afetada pela mineração, no Corredor de Carajás, entre Pará e Maranhão. Por que a Igreja precisa se empenhar em defesa das comunidades e dos territórios frente à mineração?
Para mim, estar em Piquiá hoje, nesta região da Amazônia oriental, é uma grande bênção. Aprendo muito pela experiência de resistência e luta das comunidades, acompanhadas pela associação Justiça nos Trilhos, no corredor de Carajás.
Isso está me ajudando a entender melhor como a Igreja, os padres e consagrados podem se engajar mais. A igreja, como família de seguidores de Jesus de Nazaré, precisa proteger seus membros mais pobres e ameaçados. Precisa se empenhar frente à mineração e ao agronegócio, duas pragas que atacam e destroem os territórios.
Nesta luta, a Igreja tem uma visão, um paradigma que o Papa nos deu na encíclica Laudato Si’: a Ecologia Integral. É a missão da igreja nos territórios feridos pela mineração: assumir uma revolução cultural no compromisso da defesa da Casa Comum. Em busca da justiça social e da justiça intergeracional.
O sonho é passar do modelo de dominação para um modelo de cuidado recíproco, de todas as vidas que se encontram na natureza. Desmontar, assim, o antropocentrismo: o ser humano foi criado para cuidar, não para dominar.