A mineração está entre as causas dos impactos socioambientais mais graves na Amazônia, com 45.065 concessões mineradoras em operação ou aguardando aprovação, das quais 21.536 se sobrepõem às áreas protegidas e terras indígenas[1].
O Programa Grande Carajás, lançado a partir dos anos 1970, quando a empresa Vale era ainda estatal, é um caso emblemático da aliança entre o Estado e o grande capital mineiro; este mega-empreendimento envolve o Projeto Ferro Carajás (Parauapebas e Canaã, no coração da Amazônia paraense, hospedam a maior mina de ferro a céu aberto do mundo), o Projeto Trombetas (MRN), a Albrás-Alunorte (Barcarena), a Alumar (São Luís) e a Usina Hidrelétrica de Tucuruí. A exploração mineral corresponde a quase 75% da pauta de exportação do estado do Pará; fica evidente a influência do poder econômico da mineração sobre as decisões políticas do estado e do país.
É o que definimos de “economia de enclave”, um modelo dominante imposto a uma imensa região, reduzindo a diversificação e o investimento em economias locais autossustentadas. Este modelo implica uma forte concentração de poder (monopólio) e permite a extração de minério com baixos custos e altos lucros. Na Amazônia brasileira, as maiores beneficiadas são as empresas Vale, Norsky Hidro e Alcoa. Outra grave ameaça é a implantação da mina de ouro da companhia canadense Belo Sun, na Volta Grande do Xingu: depois do impacto da usina hidrelétrica de Belo Monte, este empreendimento provocaria consequências catastróficas na bacia do rio Xingu. Recentemente, a companhia processou lideranças e militantes dos movimentos socioambientais, num claro intento de intimidação e enfraquecimento da resistência[2].
Para a extração e transporte de ferro, bauxita, cobre, níquel, estanho, zinco e ouro da Amazônia é necessária uma infraestrutura de amplo impacto ambiental, interligando os sistemas das minas, ferrovias, rodovias, hidrovias e portos, em função da exportação.
A Amazônia está se tornando a fronteira de expansão mais consistente da mineração empresarial e ilegal. Entre 2005 e 2015, a mineração causou o desmatamento de 1,2 milhão de hectares na Amazônia brasileira[3], quer dizer cerca de 9% da perda total da floresta amazônica durante o período[4]. Assim como já acenamos aos impactos “sistêmicos” da mineração, por causa de toda a infraestrutura de escoamento e exportação, deve-se considerar também o chamado “efeito derrame” da produção mineral e agrária, com implicações e mudanças nas normas e procedimentos ambientais, desmonte de instituições de regulação, deslocamento populacional e acelerada concentração demográfica, perda de capacidade de subsistência econômica, social e cultural das populações tradicionais e diferentes graus de contaminação e degradação ambiental [5].
Outro enorme desafio para a Amazônia, cada vez mais difícil de se controlar e reprimir, é o garimpo ilegal de ouro. Estima-se que existam 453 focos de mineração ilegal na Amazônia brasileira, e mais de 2500 por toda a bacia amazônica[6].
Os impactos do garimpo nas bacias hidrográficas e nos territórios são tão fortes que, mesmo se fossem interrompidas agora todas as atividades, precisaria pelo menos de 30-40 anos para rios e terras degradadas se recuperarem.
Associadas ao garimpo, estão diversas outras atividades ilegais na floresta, como a exploração da madeira, invasões de terra, a pecuária nas bordas etc.[7]
A expansão do garimpo está diretamente vinculada ao fortalecimento do narcotráfico na Amazônia, particularmente pela facilidade de lavagem de dinheiro. Num Equador cada vez mais marcado pela violência, por exemplo, o crime organizado, ligado aos grandes cartéis internacionais de drogas, controla 20 minas ilegais de ouro, extorque 30 minas de empresas privadas, cobra entre 300 e 900 dólares a cada pessoa que busque trabalhar num garimpo, controla 40 grupos de mineiros ilegais e lucra cerca de 3,6 milhões de dólares por mês[8]. Há evidências de conexão das máfias das drogas com o poder estatal, em particular com o poder judiciário, conforme as investigações do caso Metástasis, que revela o câncer da corrupção pública pelo narcotráfico.
Outro enorme desafio é a expansão da mineração em função do crescimento do agronegócio e das chamadas “transições minero-energéticas”, frente à crise climática. No primeiro caso, temos um aumento consistente da extração de minerais para a produção de fertilizantes, especialmente fosfato (com expectativa de esgotamento das reservas no Brasil em 2050) e potássio, cujos depósitos na Bacia do Amazonas “estão posicionados estrategicamente e bem servidos pelas hidrovias e podem entregar produtos mais baratos no Centro-Oeste (Cerrado) brasileiro”[9]. Uma grande mina de potássio encontra-se em Autazes (AM), em território autodemarcado pelo povo indígena Mura. A empresa Potássio Brasil, controlada por um banco canadense que também é dono da mineradora Belo Sun, tem assediado a comunidade indígena para que os terrenos fossem vendidos e conseguiu convencer muitos deles[10].
No segundo caso, enormes investimentos estão sendo destinados à busca dos chamados “minerais críticos”, essenciais para os equipamentos de geração de “energia limpa”. O Brasil abriga 94% das reservas mundiais de nióbio, 22% de grafite e 16% de níquel, além de representar 17% de terras raras, o terceiro maior depósito do planeta. Cobre e lítio são outros dois elementos essenciais para a transição. A Amazônia Legal concentra aproximadamente 30% das ocorrências conhecidas de minerais estratégicos, como estanho, potássio e alumínio – 4,4% delas em terras indígenas e 14,9% em unidades de conservação[11].
A “limpeza” da energia consiste na falta de emissões de carbono para a sua produção; porém, veículos elétricos e turbinas eólicas exigem seis vezes mais minerais do que os modelos tradicionais. A participação das tecnologias de energia limpa na demanda total aumentará significativamente nas próximas duas décadas, ultrapassando 40% para cobre e elementos de terras raras, 60-70% para níquel e cobalto, e quase 90% para lítio[12]. A extração dos minerais necessários para este modelo de transição está causando impactos ambientais e sociais incalculáveis em vários territórios.
Finalmente, ao lado destas inovações na mineração em função da transição energética, convivem opções indefensáveis pela continuidade da extração de combustíveis fósseis, no País e particularmente na Amazônia Legal, como os projetos petroleiros na Margem Equatorial, no oceano logo em frente à foz do Rio Amazonas, ou os projetos de fratura hidráulica para extração de gás (fracking), no Maranhão. O plano energético do Brasil busca aumentar o petróleo e o gás em 63% e 124%, respectivamente, entre 2022 e 2032; a administração atual afirmou querer transformar o Brasil no quarto maior produtor de petróleo do mundo[13].
Tudo isso, obviamente amplifica os conflitos, a violência nos territórios e também a perseguição, criminalização e as ameaças de morte contra lideranças e comunidades que tentam defender seus modos e prioridades de vida frente aos grandes projetos, ou à invasão do garimpo. Num recente estudo da Rede Igrejas e Mineração, ainda a ser publicado, foram sistematizados 121 conflitos provocados pela mineração no regional Norte2 da CNBB (PA), 86 no Norte 1 (parte do AM e RR), 20 no Noroeste (AC, RO e parte do AM), 37 no Oeste 2 (MT) e 25 no Nordeste 5 (MA).
Um destaque especial deve ser dado às ameaças da mineração contra as terras indígenas. A lei 14.701/23, pela qual o Congresso enfrentou o poder executivo e judiciário e aprovou o Marco Temporal, também está flexibilizando o usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre os bens existentes em seus territórios e dispensa o direito à consulta em caso de empreendimentos de infraestrutura. Em paralelo, seguem diversos projetos de lei que buscam legalizar a mineração em terras indígenas. Nove grandes mineradoras (Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca/Mamoré Mineração e Metalúrgica, Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto) estão na lista das mais de 500 empresas, com pedidos registrados até novembro de 2021 para mineração dentro de territórios indígenas na Amazônia[14]. Os pedidos de mineração na Amazônia se sobrepõem e invadem cerca de 15% do total de terras indígenas na área[15]. As terras de 21 grupos isolados concentram 97% de todos os pedidos de mineração[16].
A resistência frente aos projetos de mineração na Amazônia segue intensa, com o protagonismo dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e demais comunidades tradicionais, de organizações e movimentos populares como a Rede Justiça nos Trilhos, no Maranhão, ou o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Em julho de 2023, os povos da Panamazônia reuniram-se na Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, por ocasião da Cúpula dos Presidentes da Amazônia, em Belém (PA). Mais de 30mil pessoas demonstraram a organização e pressão popular por políticas que garantam os direitos humanos e da natureza e o Bem Viver dos povos. A carta “Nada sobre nós sem nós!”[17] apresentou cerca de 30 reivindicações e propostas, entre as quais destacamos a seguinte:
Promover um plano de transição para salvar a Amazônia da mineração e da poluição causada pelo mercúrio, que (a) reduza anualmente o uso de mercúrio e a mineração ilegal até a sua total eliminação; (b) proíba atividades de mineração em áreas protegidas, e territórios indígenas, ancestrais e comunitários; (c) realize avaliações abrangentes de impacto ambiental a médio prazo das atividades de mineração legal, para reforçar os planos de mitigação socioambiental e estabelecer os termos de sua continuidade e futuro encerramento; e (d) implemente medidas eficazes para a remediação da saúde das pessoas e a restauração dos ecossistemas afetados pelo mercúrio e pela mineração;
Os mesmos povos e movimentos estão já se organizando a caminho da COP30, prevista em Belém em novembro de 2025, uma das últimas oportunidades para afirmar e exigir a defesa dos territórios e dos modos de vida dos povos como principal caminho de enfrentamento à crise climática e socioambiental.