Chegando em Brumadinho para celebrar os cinco anos da tragédia-crime que matou 272 pessoas e contaminou a bacia do rio Paraopeba, muitos de nós recebemos uma rosa amarela e uma placa com um dos nomes das vítimas.

Carreguei estes símbolos ao longo de todas as celebrações: a missa, a procissão, o ato em memória das vítimas e o abraço final. Durante a missa, uma senhora aproximou-se a mim, chorando e pedindo se podia trocar o nome que ela carregava com aquele que eu tinha, pois se tratava do filho dela. Abraçamo-nos longamente e deixei que ela se encontrasse mais uma vez com a memória viva do filho, que foi sepultado pela lama tóxica e maldita.

A memória

“É graças a vocês, famílias de Brumadinho, que a memória deste crime ainda não se apagou. É graças a vocês que se reduziu o risco de repetição, porque fazer memória é exigir justiça, é cobrar garantias de não repetição!”. Dom Francisco Cota, bispo de Sete Lagoas e membro da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB, tomou posição forte e profética na celebração eucarística, a cinco anos do desastre.

“Não foi acidente! A Vale mata rio, mata peixe e mata gente!” – gritavam, tomados de dor e indignação, os romeiros.

A memória é um primeiro passo de ressurreição, de esperança na vida que não morre. “Não vamos esquecer!” – repetiu-se muitas vezes no ato de denúncia. E foram citados muitos fatos graves que ninguém quer esquecer: “a covardia da mineradora Vale e da empresa certificadora Tuv Sud”; “as mentiras sobre segurança do trabalho”; “a frase do presidente da Vale, Sr. Fábio Schwartsman, que não se deveria culpar a Vale porque esta empresa é uma joia brasileira”; “o executivo da Tuv Sud, que disse que mandaria seu filho sair imediatamente da mina quando soube do perigo – e não fez nada para os outros”; “os tratamentos de saúde para depressão, com psicólogo, psiquiatra e medicamentos ansiolítico que tivemos que tomar”; “o voto do desembargador relator que foi favorável ao habeas corpus do Sr. Fábio Schwartsman para retirá-lo do processo criminal”; “a manutenção do refeitório, do centro administrativo e do posto médico logo abaixo da barragem que desmoronou, sem nenhuma preocupação com os trabalhadores”; “as sirenas que não tocaram para salvar vidas”; “o fato que a Vale soubesse, meses antes, que quem estivesse a menos de dois quilômetros de distância da barragem não teria tempo para sobreviver”; “a negligência do presidente da Vale que, ao receber denúncia anônima via e-mail relatando a insegurança da barragem 16 dias antes da queda, a ignorou e, ao contrário,  buscou o denunciante para puni-lo, chamando-o de ‘cancro’”.

 

Pode parecer exagero das famílias, ainda carregadas de indignação e raiva. Mas poucos dias antes, o delegado da Polícia Federal Cristiano Campidelli denunciou tudo isso nos mesmos tons, durante um seminário[1] contra a impunidade, organizado pela associação das famílias das vítimas, a Avabrum: “A verdade é que a Vale fez muito esforço para matar essas pessoas em Brumadinho; as pessoas morreram porque elas foram enganadas”, disse o delegado, confirmando a persistência criminosa da empresa e o simulado mentiroso, pelo qual ao tocar a sirene de emergência haveria para todos 15 minutos de tempo para saírem da área de perigo. Não houve toque de sirene, e as pessoas foram cobertas pela lama um minuto depois da queda da barragem.

As mentiras

Assim como foram mentiras os planos de segurança e a preocupação da empresa pelos trabalhadores/as e moradores/as de Brumadinho, é mentira afirmar que a mineração é sustentável, porque não tem segunda safra após o extrativismo predatório.

É mentira afirmar que traz desenvolvimento, porque este desenvolvimento é para poucos e a preços muito altos para a grande maioria das outras pessoas.

É mentira que esta mineração é inevitável, porque até agora acumulou bens financeiros nos bolsos de poucos e impediu soluções econômicas alternativas que beneficiariam muito mais pessoas.

É mentira acreditar que a solução à crise climática se dará simplesmente pela transição ao novo modelo de “energias limpas”, que continuam precisando de mineração maciça nas áreas de sacrifício de tantas partes do mundo.

A esperança

Mesmo se carregadas de dor e revolta, celebrações como aquela de Brumadinho devolvem esperança. É a esperança de famílias que não aceitam esquecer, não abaixam a cabeça, não se rendem aos acontecimentos, exigem dignidade, reparação, memória e garantias de não repetição!

Dá esperança ver diversas expressões religiosas (católica, evangélica, de matriz africana, indígena) caminharem juntos, cantarem e chorarem, invocarem os espíritos em defesa da Vida e aliar-se frente a gigantes inimigos que estão atacando seus territórios.

Comungar na Eucaristia foi “fazer isso em memória de Jesus”, repetir o compromisso e o dom total de muitas pessoas, para que vença a vida e não se imponham as forças de morte. Foi comungar com as vítimas e sentir presentes, nelas, o corpo ferido e ressuscitado de Jesus, que continua caminhando conosco!

 

 

[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-01/delegado-da-pf-diz-vale-mentiu-em-simulacao-na-mina-em-brumadinho