Maria Júlia Gomes Andrade é antropóloga e pertence ao Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Para ela, as catástrofes ou crimes de Mariana e de Brumadinho não são casos isolados ou simples acidentes: “Estamos num momento de colapso da mineração no Brasil. Não podemos considerar os acontecimentos em Mariana e Brumadinho como se fossem dois acidentes. Precisamos falar da crise do modelo de mineração… Bebemos a água contaminada por este modelo. Há cidades inteiras contaminadas pela mineração… Este modelo já não funciona”.

Estas declarações foram feitas, por Maria Júlia, durante a apresentação do Relatório: “Direitos Violados: Paracatu frente à mineração”, neste 11 de maio 2019, na Câmara Municipal de Paracatu, Minas Gerais, Brasil.

O relatório corresponde a uma pesquisa rigorosa feita pelas entidades Justiça Global e a canadense Above Ground, sobre os graves problemas originadas em Paracatu pela mineradora de ouro KINROSS, empresa de capital canadense.

Frei Rodrigo Peret, do GT Mineração da CNBB e da Rede Igrejas e Mineração, resume assim a crítica situação de Paracatu apresentada pela pesquisa: “A constatação de contaminação das águas superficiais e sedimentos dos córregos, em Paracatu, é uma realidade. As barragens de rejeito da mina Morro do Ouro, da empresa canadense, Kinross, não são impermeabilizadas no piso e, além disso, dela vertem drenos de água, em circuito aberto. Além do arsênio, o estoque de rejeito contém produtos químicos tóxicos utilizados no beneficiamento mineral, além de metais pesados presentes no minério: cobre, chumbo, manganês, cádmio e prata, todos eles apontados como agentes tóxicos. Isto é uma séria violação ao princípio de precaução, instituído no direito ambiental brasileiro.”

Um dos momentos mais emotivos durante a apresentação do relatório, foi a fala da liderança quilombola Evane Alves. Ela foi ameaçada de morte, seis anos atrás, por defender os direitos de sua comunidade em Paracatu frente à mineração. Teve que fugir e morou longe de suas raízes. Estudou e tornou se advogada. Voltou no dia deste evento, para apresentar o relatório e debater o futuro de Paracatu.

“Por inúmeras vezes foi-me negada a participação na Câmara, para pedir socorro. Todas as solicitações foram engavetadas… É um prazer estar de volta na Câmara, mas é triste também, porque a situação não melhorou nada. O relatório retrata de forma consistente e precisa as violações sofridas por nossas comunidades. É um instrumento importante para documentar os danos e reivindicar nossos direitos”.

“Fomos violentados, empurrados, vários de nós foram mortos. Eu só não fui morta porque tive que fugir, junto com parte de minha família. Tive que mudar de casa por três vezes”.

“Me formei como advogada. Voltei hoje para dizer que as autoridades e a justiça não vão abraçar nossa causa: depende primeiramente de nós…! Irmãos de Paracatu, façamos que as comunidades quilombolas fossem vistas e ouvidas!… Não fiquemos aguardando. Este relatório é apenas um início. O fortalecimento de nossa realidade, para dizermos que !não queremos continuar morrendo envenenados!… Precisamos cobrar, ir para as ruas. Paracatu não é mais uma cidade de coronelismo, precisamos perder o medo de falar. Nossas lideranças precisam ser escutadas”

O evento, organizado pela Caritas de Paracatu, MAM, CPT, Rede Igrejas e Mineração, Justiça Global e Above Ground, foi aberto por Dom Jorge Alves, bispo de Paracatu:

«Esses homens e mulheres que estão aqui, preocupados com as condições de vida das pessoas, merecem o apoio e a bênção da Igreja, especialmente porque duas vezes, em Mariana e em Brumadinho, ocorreram desastres ambientais que realmente embaraçam todos que administram essas empresas de mineração, que deveriam ter tomado medidas urgentes para resolver o problema». Expressou com energia o bispo.

«Mas, somos encorajados pela esperança, e a pesar de toda aquela catástrofe ambiental que afeta não apenas os seres humanos, mas também toda a biodiversidade, queremos caminhar, procurar soluções, buscar soluções, dialogar com a sociedade e realmente criar um espaço onde a vida pode crescer e se manifestar com segurança «, Dom Jorge Alves terminou e abençoou os presentes.